crônicas de duas cidades




Tão longe, tão perto...

Ontem encontrei uma senhora em um café na cidade de Braga. Brasileira do Rio de Janeiro. Logo mais estaria pegando o comboio para Famalicão ia visitar a filha. Olhei para seu rosto marcado e depois para seu corpo e perguntei:
“Há quantos anos esta morando neste país”
- Há trinta anos – disse-me ela
Trinta anos... Pensei atônita
Levei um choque ao retornar lentamente no tempo de trinta anos...

Novamente olhei para seu rosto, suas mãos enquanto pegava a xícara de café e com a outra mão procurava um lanche, pão com queijo, na carteira (bolsa) que trazia no braço... Devo dizer que fiquei chocada. Trinta anos de angústia... É claro que não iria perguntar a ela como se sente hoje como se sentiu dia a dia, ano após ano. Claro que não. Pois já sabia o que iria dizer, iria mentir e dizer o quanto foi feliz e hoje vitoriosa... Sentia a verdade em seus olhos escuros e em seu sorriso triste. Do seu coração ainda se podia ouvir gritos de socorro durante aqueles trinta anos....

Esse fato me levou a outro... Ano passado em frente à igreja de Cedofeita encontrei aqueles dois portugueses que tomavam um lanche e bebiam um vinho em um muro espécie de banco... Ao me verem ali do lado perguntaram se eu estava servida. É claro que sim. Providenciaram um copo e me ofereceram. O mais falante perguntou se eu era brasileira. Disse que sim. Respondeu que seu avô há muitos anos foi para o Brasil, deixando a família, avó, netos, filhos e tudo o mais. Um belo dia com uma desculpa qualquer se foi. Falou sobre o fato com grande mágoa com um olhar que não me desfitava e com cólera. Quando terminou perguntei a ele se alguma vez ele voltou ou se alguém foi visita-lo. Ele disse que não... Que nunca mais voltou... Abandonou tudo. No Brasil viveu, no Brasil morreu...

A angústia e a saudade daquele senhor que se foi e nunca mais voltou se abateu sobre mim, disfarcei olhando a igreja, o chão, o vento balançando as folhas das árvores ele me olhava com o olhar parado esperando uma resposta e tive vontade de dizer ao homem ali parado na minha frente que seu avô se tornou um morto-vivo. Dizer algo seria pedir demais a minha coragem, só porque eu era corajosa. Olhando-o, desanimei: Faltava-me a coragem de desiludi-lo. O que ele queria? Que seu avô voltasse e de joelhos pedisse perdão? Ou que a tortura eterna fosse a sua punição? Furtivamente olhei-o de lado e recuei deixando que o vinho fizesse a sua parte. Era cedo demais para eu ver tanto.

Marcia Lailin Mesquita


O tempo e a terra

Todos os seres inteligente sabem da importância da natureza em suas vidas. Ia além. Se entrega a ela de corpo e alma. O que é o corpo se não a alma? O que é a alma se não o corpo? O que é a vida se não os elementos químicos encontrados na natureza? Senão é tudo junto ou separado?
As vezes o que fazia despertava nas pessoas um olhar inquisidor e sarcástico
- Lá vai uma tolinha descalça pela estrada – pensavam
- Lá vai um tolinho calçado pela estrada – pensava

Qual é mesmo o elemento que compõe as pedras? Não sabia
Precisava ir até o google, pai dos burros para descobrir....
Agora não é hora para ouvir Satie e Gnossienne numero 1 ou ler ali ao pé do computador que Marise Corrêia Menezes Corrêia enviou um anexo. Toda vez que faz isso sua mente foge e esquece...
Esquecer é preciso....


Encontrou um senhor antes do seu caminho se encontrar em uma bifurcação e perguntou a ele quantos anos tinha? O que fazia e se queria caminhar? Estava com um balde na mão tinha mais de noventa anos e sorriu quando perguntou se queria caminhar...
“Deixa-me trocar de lugar contigo”. Venha por alguns instantes até esse rápido movimento no tabuleiro de damas.
Respondeu ele com um sorriso suprimido, um sorriso indicado pelos lábios: “Siga em frente até uma bifurcação, depois vire a direita”.
Porque ele dizia tudo isso se tudo já estava predestinado, marcado?

Na bifurcação o concreto acabou e encontrou a estrada de terra... Louvada seja a natureza... O elemento químico penetrando em seus pés como reflexologia, não cobravam nada, pelo contrário era tão reconfortante que de minutos a minutos era preciso acorda-la para lembrar que estava em uma estrada sem mapas e não podia deixar aflorar essa parte do corpo que não tem consciência.

A claridade já havia amanhecido totalmente e era estreita e linda.




Qual é o teu cheiro?

Enquanto caminho lembro do jovem português com cidadania americana... Steve é o seu nome. Estava eu sentada na grama do congestionado Porto... Sem sapatos... Ele se aproximou tirou os seus sapatos e sentou do lado. Adorei isso. São raríssimos esses seres que estão escondidos em casulos ou trincheiras, pois acabam sendo marginalizados. Falou um pouco de si, de onde veio e onde mora hoje: Viana do Castelo. Falamos sobre o mundo trágico em que vivemos e depois ele seguiu em direção ao metro, antes deixou comigo umas folhas de alfazema. Perguntei onde ele tinha encontrado essa preciosidade. Ele disse e eu mantenho o segredo

Tantas coisas passaram em minha mente... A casa quadrada modelo moderno em construção se tornando uma aberração no meio do verde que logo se tornara uma raridade. Um pé de hortelã na estrada. E a profecia da minha mãe se cumprindo: “Quando você arranca uma flor arranca o pé”. Uma rua sem saída e um senhor avisa que se eu seguir morro acima por uma trilha encontrarei uma vila, mas isso levaria uns três quilômetros. O que são três quilômetros? Sempre tive dificuldade em entender distâncias...
Ver é reparar não é a mesma coisa. Ver e reparar exige meditação.
Medita Lai...

Em que ano foi abolida a escravidão em Portugal?
Fui lentamente caminhando sem entender a estrada de concreto e a falta da terra para acalentar meus pés. No Ponto de autocarros uma propaganda: “Aberta às inscrições para utentes. (As empresas da cura) São eles: médicos, enfermagem, fisioterapia, psicologia, nutrição, banho vichy, massagem, jardim sensorial, animação, bio ginásio...”
Li a relação, entendi e pedi: “Me livre de todas elas”

Agora na manhã ensolarada no jardim dando várias voltas pela grama molhada lembrava-me deles, os engomados versados em anos de entendimentos da natureza humana dentro de uma faculdade agora formados a sorrirem com uma pele tão translucida misturado ao branco da roupa não fosse os cifrões nauseantes dos olhos acreditaria nos padecimentos ali expostos e criados de acordo com aquilo que o utente criou para si mesmo, somos maus o suficiente.
Será que conseguimos ver as cores por acaso? E entender o nosso corpo?
As abelhas precisam do pólen e as flores precisam das abelhas... Na casa ao lado uma criança canta... ia ia o... 




Agora, a visão à beira do Douro já está concluída,
e os turistas estão
passeando com os cabelos ao vento
seguram na grade.
São barras de ferro baixas capazes
de tirar a vida de qualquer um que se
arrisque sobre elas.

O comboio que liga Hospital São João a Santo Ovídio, é uma obra-prima.
assim penso e não tem mortal que tire isso de minha mente
Não vejo crianças à andar ou à procura de
um lugar para brincar pela Luis I piso superior

Entre as barras e sobre o rio
nada passará, exceto a Morte, a Chuva o Vento, eu e o Dia de
Amanhã.





Márcia Lailin Mesquita

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